Cinco músicas dos Beatles que parecem ter previsto o fim do mundo
- Marcello Almeida
- 23 de abr.
- 3 min de leitura
De colagens sonoras apocalípticas a baladas sobre a solidão que corrói, essas faixas mostram o lado mais sombrio e profético da banda que reinventou o pop

Quando se fala em Beatles, a maioria ainda pensa em refrões ensolarados, gritos histéricos e capas coloridas. Mas há um subterrâneo nessa discografia que pulsa como sirene em madrugada: um lado distópico, inquieto, quase profético.
Entre experimentações sonoras, críticas disfarçadas e personagens que habitam realidades partidas, os Fab Four vislumbraram — e traduziram — colapsos que só viriam a se concretizar décadas depois. Em cinco músicas, eles olharam pro abismo e colocaram em verso e melodia aquilo que hoje reconhecemos como ruído do fim.
1. “Revolution 9” – O som de um colapso: quando a arte vira ruído e o futuro vira ruína

Aberração ou obra-prima? “Revolution 9” foi um delírio sonoro inserido no White Album como um pesadelo que ninguém esperava sonhar. Collage de vozes, ruídos, loops e distorções, a faixa é um mundo sem chão, onde tudo já colapsou. É como se os Beatles, à beira do fim, escancarassem a distopia do século XX em forma de som: guerra, mídia, lavagem cerebral, caos urbano. Lennon cria uma instalação sonora paranoica, como se antecipasse o mundo fragmentado da pós-verdade. É a trilha perfeita para uma sociedade que perdeu o controle da própria narrativa.
2. “Eleanor Rigby” – A distopia da solidão silenciosa que se esconde por trás das aparências

Muito antes de Black Mirror, os Beatles já traduziam o horror do isolamento em plena era da coletividade. “Eleanor Rigby” é uma distopia social travestida de balada barroca. Com arranjo de cordas que mais parece uma marcha fúnebre, a canção revela uma Londres fria, cinza, onde a solidão é endêmica.
Eleanor e o padre McKenzie são personagens invisíveis, soterrados por uma rotina sem propósito, esquecidos por um sistema que promete pertencimento e entrega apenas indiferença. É uma denúncia silenciosa, dolorosa, sobre o que acontece quando a humanidade perde o vínculo com o outro.
3. “Being for the Benefit of Mr. Kite!” – Um circo vitoriano que escancara a farsa do espetáculo

Inspirada em um velho pôster de circo e levada ao extremo por George Martin e suas manipulações sonoras, essa faixa de Sgt. Pepper’s é uma performance distorcida que escancara o artificialismo do entretenimento. Por trás do espetáculo colorido, há uma engrenagem repetitiva e sufocante, como uma distopia que se fantasia de festa.
A canção é quase kafkiana: tudo acontece, mas nada muda. Lennon canta com ironia e tédio, como se soubesse que o show continua — mesmo quando o mundo desaba. É a lógica da distração elevada ao nível máximo, onde o absurdo se torna norma.
4. “A Day in the Life” – Um retrato distópico em forma de crônica: do tédio ao colapso sinfônico

“A Day in the Life” não é apenas o gran finale do Sgt. Pepper’s. É uma visão desconcertante sobre a anestesia do cotidiano. Paul descreve a rotina banal enquanto Lennon narra, com frieza jornalística, a morte de um jovem. E no meio disso tudo, uma orquestra explode, dissonante, como se o mundo estivesse gritando por dentro.
O final — aquele acorde eterno que ecoa como um abismo — é o silêncio que resta depois da explosão. É como se os Beatles nos dissessem: a distopia já chegou, ela está na repetição dos dias, no jornal do café da manhã, na falta de espanto.
5. “Tomorrow Never Knows” – Um ritual psicodélico contra o controle mental e o conformismo

Última faixa de Revolver, essa música é um marco. Não apenas por ser tecnicamente revolucionária, mas por sua essência visionária. Lennon canta como um guia espiritual perdido em meio a fitas invertidas, drones orientais e batidas mecânicas. A letra é um convite à desconstrução do ego — e, ao mesmo tempo, uma crítica ao sistema que tenta nos formatar. “Turn off your mind, relax and float downstream.”
Parece um mantra, mas é um alerta: ou você se reconecta com algo interno e livre, ou será sugado pela engrenagem. É distopia lisérgica, onde a única saída é quebrar tudo por dentro.
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