Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa: Uma história de resistência e afeto na alma do Brasil
- Marcello Almeida
- 16 de jan.
- 3 min de leitura
E como a gente estava precisando disso, você não faz ideia

Há filmes que são mais do que narrativas: são verdadeiros relicários de memórias e afetos, capazes de nos transportar para lugares onde o tempo parece caminhar mais devagar, permitindo-nos saborear a simplicidade da vida.
Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa é exatamente isso – um respiro no cinema contemporâneo, embalado pela leveza e pelo encanto da infância no interior do Brasil. Dirigido por Fernando Fraiha e roteirizado por ele, em parceria com Elena Altheman, o filme traduz, com beleza e autenticidade, um pedaço da alma brasileira, além de homenagear o universo criado por Mauricio de Sousa.
O lançamento da produção infantil acontece em um momento de ascensão do cinema nacional, que vem alcançando recordes de bilheteria, e tem o potencial de expandir ainda mais esse fenômeno.
A história, centrada em Chico Bento e sua luta para salvar a Goiabeira Maraviósa, vai muito além de uma disputa entre progresso e tradição. A árvore, com suas raízes profundas e sombra acolhedora, é um símbolo da conexão humana com a terra, com as memórias que ela guarda e com a sensação de pertencimento que só o lar pode oferecer. Fraiha, ao construir essa narrativa, nos convida a refletir sobre as transformações do mundo moderno, mas sem nunca perder de vista o lirismo e a ternura que permeiam a vida no campo.
Esse lirismo é reforçado pela direção delicada e pela fotografia que abraça as texturas do interior: o brilho do sol filtrado pelas folhas, o som do riacho correndo ao fundo, o chiado do vento entre as plantações. É impossível não pensar em Central do Brasil, de Walter Salles, que também encontrou no interior do país um palco para explorar os laços humanos e a importância das raízes. Contudo, diferente da melancolia que permeia Central, Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa nos oferece uma visão mais calorosa e otimista, mesmo diante das adversidades.
O elenco jovem é uma das forças motrizes do filme. Isaac Amendoim dá vida a Chico Bento com uma naturalidade encantadora, um triunfo, carregando o carisma e a pureza do personagem clássico. Ana Júlia Dias, como Rosinha, é o equilíbrio perfeito entre doçura e força, enquanto Pedro Dantas (Zé Lelé) e Davi Okabe (Hiro) completam o quarteto com atuações espontâneas e cativantes. A química entre eles transforma cada cena em uma celebração da amizade, da cumplicidade e das pequenas alegrias do dia a dia.

No entanto, o que torna Chico Bento tão especial é sua capacidade de dialogar com questões maiores sem perder sua essência lúdica. A ameaça de destruição da goiabeira para dar lugar ao “progresso” urbano reflete a própria tensão vivida por tantas comunidades rurais no Brasil. É um tema que ecoa em Bacurau, de Kleber Mendonça Filho, mas onde Bacurau escolhe o confronto, Chico Bento opta pela resistência pacífica e pela celebração da coletividade.
Há também uma leitura mais íntima e universal: a da importância de preservar aquilo que nos faz humanos – as memórias, os vínculos e as histórias que compartilhamos. A goiabeira não é apenas um símbolo da terra, mas também de como nossas raízes emocionais moldam quem somos. Nesse sentido, o filme encontra parentesco com O Auto da Compadecida, de Guel Arraes, ao transformar o cotidiano simples em poesia visual e narrativa.
Para mim foi uma grata surpresa, Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa nos deixa com uma sensação de plenitude rara. É um lembrete de que, mesmo em tempos de transformação, há algo de eterno nas coisas simples: o cheiro de terra molhada, o gosto de uma goiaba colhida no pé, o riso compartilhado sob a sombra de uma árvore. Fraiha entrega um filme que não apenas homenageia o Brasil rural, mas também celebra sua resiliência e sua beleza, deixando-nos com a certeza de que há histórias que nunca deixam de florescer, não importa o que aconteça.

Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa
Ano: 2025
Gênero: Aventura, Comédia, Família, nacional
Direção: Fernando Fraiha
Roteiro: Fernando Fraiha, Elena Altheman
Elenco: Isaac Amendoim, Ana Júlia Dias, Pedro Dantas, Davi Okabe
País: Brasil
Duração: 100 min
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