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Alaíde Costa – O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim

Foto do escritor: Marcello AlmeidaMarcello Almeida

Atualizado: 13 de mar.



E se este disco fala sobre os calos que o tempo deixa, também fala sobre a beleza de continuar caminhando

Alaíde Costa
Foto: Divulgação/ AlmapBBDO 

Alaíde Costa sempre foi uma artista à frente do seu tempo, mesmo quando tentaram deixá-la para trás. Sua voz, carregada de história e emoção, atravessou gerações sem jamais perder a doçura, mesmo diante de uma trajetória que tantas vezes a colocou à margem. E é justamente essa força silenciosa, essa resiliência transformada em arte, que se manifesta em O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim (2022), um álbum que não apenas celebra a grandiosidade de Alaíde, mas também a reposiciona no centro da música brasileira, onde sempre pertenceu.


Este disco não é apenas um registro sonoro; é um testamento de vida. Aos 86 anos (hoje, 89), Alaíde nos entrega uma obra que respira memórias, dores e afetos, equilibrando a dureza do tempo com a suavidade dos arranjos e das palavras. Produzido por Emicida e Marcus Preto, com direção musical de Pupillo Oliveira, o álbum é uma viagem pelas camadas sentimentais de uma artista que nunca precisou gritar para ser ouvida.


O peso do tempo, a leveza da voz

Foto: Murilo Alvesso
Foto: Murilo Alvesso

Desde os primeiros segundos de “Turmalina Negra”, fica claro que estamos diante de algo especial. “E eu serei quem sou / Pedra tão rara / Gema mineral…”, canta Alaíde, sua voz flutuando sobre arranjos orquestrais minimalistas, como quem narra uma travessia longa, intensa, mas jamais solitária. Há um peso existencial nesses versos, um acúmulo de lembranças que se assentam como sedimentos ao longo do álbum.


A dualidade entre passado e presente se reflete em “Nenhuma Ilusão”. É uma canção de despedida e aceitação, de quem já tentou explicar seu destino, mas compreendeu que a vida segue com ou sem respostas definitivas. Alaíde canta com uma delicadeza quase sussurrada, um eco de tudo que viveu e de tudo que ainda carrega consigo.


Se a voz de Alaíde carrega o passado, as composições e parcerias deste álbum apontam para o futuro. “Pessoa-Ilha”, é um desses encontros improváveis que funcionam como síntese do projeto. A harmonia entre a sofisticação da MPB e a poética urbana de Emicida resulta em um dos momentos mais fortes do disco.


O mesmo acontece em “Tristonho”, onde a melancolia de um amor perdido ganha contornos ainda mais profundos na interpretação de Alaíde. A base instrumental, pontuada por sopros e arranjos sutis, amplifica a dramaticidade da faixa, transformando cada verso em um sussurro de saudade.



A grandiosidade está nos detalhes


Este não é um álbum que se impõe pelo excesso. Pelo contrário, cresce na sutileza, na maneira como cada acorde parece meticulosamente pensado para abraçar a voz de Alaíde. Canções como "Praga" e “Berceuse”, seguem essa lógica: melodias que se desenrolam com paciência, sem pressa de chegar ao fim, permitindo que cada nota seja sentida por inteiro, é que bom que é assim.


Já em “Aos Meus Pés”, Alaíde ressignifica uma canção lançada discretamente em 2016, trazendo novo fôlego à composição. A interpretação é sóbria, mas carregada de uma emoção latente, mostrando que sua voz ainda encontra novas formas de emocionar.


Mais do que um álbum, O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim é um convite à escuta atenta, ao mergulho sem pressa. Cada faixa revela novas camadas a cada audição, como se Alaíde estivesse nos guiando por corredores da própria memória.



O encerramento com “Aurorear” é simbólico. É uma despedida? Um recomeço? Talvez ambos. Mas uma coisa é certa: Alaíde Costa nunca esteve tão viva em sua arte.


E se este disco fala sobre os calos que o tempo deixa, também fala sobre a beleza de continuar caminhando.

 


 

O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim

Alaíde Costa


Ano: 2022

Gênero: Samba, MPB, Jazz

Ouça: "Tristonho", “Aurorear”, "Aos Meus Pés"

Pra quem curte: Claudette Soares

 

NOTA DO CRÍTICO: 8,5

 


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