Um disco de músicas muito bem desenvolvidas dentro de uma esfera progressiva relativamente conservadora.
A Secret River é uma banda sueca de rock progressivo formada na cidade de Gotemburgo, inicialmente pelo baterista, John Bergstrand e pelo multi-instrumentista Andreas Alov. Mergulhou em um período de gestação incomum antes de finalmente lançar seu álbum de estreia em 2014. A princípio, essa espera prolongada, que durou quase duas décadas, pode sugerir que a banda estava em uma espécie de maturação artística, uma criação sonora minuciosa, muito bem elaborada, é possível imaginar seus músicos experimentando, refinando e buscando um aprimoramento único em suas harmonias e letras, além de tentar um disco de identidade única e significativa.
Acontece, que a banda em formato de quarteto, só foi existir após a dupla lançar um EP em 2012, com a entrada do guitarrista com formação em música folclórica, Mikael Grafstrom e o tecladista Bjorn Sandberg, tendo em 2014, lançado o seu disco de estreia, Colours of Solitude. Para amantes mais ávidos e radicais de rock progressivo e que muitas vezes gostam de se sentir até mesmo desafiados por sonoridades intrincadas, além de sempre querer ouvir alguma distinção marcante como aquela nota inesperada ou uma progressão de acordes surpreendentes, tudo parece faltar. Isso quer dizer que a música não é boa? Jamais.
Com o lançamento de seu segundo álbum, Mirror Universe, uma década depois de sua estreia, a banda demonstrou uma boa evolução em sua narrativa musical, mergulhando um pouco mais fundo nas complexidades do rock progressivo, porém, ainda ecoando fora de grandes profundidades, preferindo manter o seu som aquém de riscos e manobras instrumentais audaciosas, enquanto entrega peças muito bem desenvolvidas dentro de uma esfera progressiva relativamente conservadora, evitando extremos e preferindo explorar nuances sutis em vez de abraçar mudanças radicais.
A formação em Mirror Universe houve alterações, com a entrada da vocalista Elin Bergstrand, que eu imagino ser irmã do baterista, John Bergstrand e a saída do guitarrista Mikael Grafstrom. Os demais músicos fixos são os mesmos do disco de estreia, Björn Sandberg nos teclados e Andreas Ålöv, que além da função de baixista e vocalista como no primeiro álbum, aqui também gravou algumas guitarras rítmicas e teclados. No entanto, são nos solos de guitarra que a banda oferece uma maior diversidade por meio de três convidados, Johnny Lennartsson, Andreas Allenmark e Lars-Olof Johansson. Porém, a identificação dos músicos nas faixas que cada um solou não tenha sido especificada nos créditos.
Não vai precisar que o ouvinte espere muito o desenrolar do disco para perceber por quais tipos de ondas sonoras ele irá surfar. Duas comparações inevitáveis com outras figuras dentro do universo progressivo são com bandas como Anathema e os seus compatriotas da Moon Safari. Ficando claro, que falar que essas comparações são inevitáveis, não implica em querer acentuar falta de originalidade na banda, mas simplesmente situar a banda e o seu som dentro de um panorama do rock progressivo contemporâneo.
Celestial Fields é a faixa de abertura. Bastante melódica, fluida, cativante e de alguns duetos vocais belíssimos e que adicionam um grande encanto à peça. Também há espaço para alguns mergulhos ocasionais em linhas jazzísticas muito bem apropriadas proporcionadas principalmente pelo baixo e teclado. Apropriado também é o próprio nome da música, afinal, sua sonoridade etérea tem a capacidade de fazer o ouvinte pensar que está planando por uma espécie de campo celestial.
The Bridge começa por meio de alguns acordes suaves de guitarra, os vocais se antecipam ao restante dos instrumentos que agora faz com que a peça possuía um ritmo médio. O refrão é muito melódico, mas assim que ele termina pela primeira vez, a música passa a ganhar uma atmosfera mais pulsante até explodir em uma instrumentação densa e intensa. Também vale destacar o trabalho feito pela seção rítmica. Mais próximo do fim, sua sonoridade ainda fica mais pesada, terminando muito diferente do que aparentemente o ouvinte poderia está esperando quando ela começou.
Algumas belíssimas notas de piano anunciam o início de Moments, então todos os demais instrumentos entram na peça e um solo de guitarra repete o tema usado anteriormente e de forma isolada pelo piano. Uma das coisas mais legais nesse disco são as linhas de baixo e nessa faixa é onde existe algumas das melhores delas. No geral, é uma peça com muitos mais elementos de hard rock – incluindo a pegada do ótimo solo de guitarra -, porém, sem que incursões instrumentais delicadas e melancólicas também a aflorem durante o seu desdobramento de quase 9 minutos.
Mirror Universe, inicialmente, apenas piano e baixo criam uma cama extremamente confortável para que a voz delicada e doce de Elin surja de uma forma quase celestial. A guitarra então vai preparando o terreno até que a bateria entre e direcione a peça para um ritmo médio, porém, após o primeiro refrão a música ganha mais intensidade, novamente as linhas de baixo são incríveis e se destacam na seção rítmica. O solo de órgão também merece menção, pois planta algumas sementes jazzísticas dentro do solo já fértil da faixa. O mesmo tema do início encerra a música.
Beyond My Fears, diferentemente das peças anteriores, aqui existe uma maior predominância dos trabalhos de guitarra. Carrega uma aura de tranquilidade e otimismo dentro de uma sonoridade simples que foge quase completamente da esfera progressiva, chegando até mesmo a flertar com o AOR. Possui uma melodia cativante e os arranjos são muito bem ornamentados. Enquanto isso, a guitarra tempera a música com um solo breve, porém, intenso.
The Pain You Didn't See é completamente instrumental. Inicia por meio de um piano melancólico, mas logo todo o restante da banda direciona a faixa para um ritmo médio liderado por uma guitarra que é melódica e poderosa ao mesmo tempo. As linhas apaixonadas de piano e a seção rítmica são excelentes, mas o grande destaque fica por conta da guitarra com as suas invertidas cheias de nuances e texturas, além de uma grande expressividade capaz de tecer uma trama de sentimentos e sensações.
O disco chega ao fim por meio de Billions of Souls e os seus quase 16 minutos de duração. Como um bom épico deve ser, possui uma sonoridade que se destaca por sua rica textura musical e a habilidade com que navega por diferentes emoções e atmosferas. A tradição do rock progressivo sueco, principalmente a partir dos anos 90, é muito bem representado com uma saudação ao Flower Kings – na primeira vez que os vocais entram na música, um desavisado pode pensar que Roine Stoit está fazendo uma participação. Conforme vai se desenvolvendo, a música vai deixando claro que não há protagonista em sua essência, ao mesmo tempo em que todos os músicos brilham por meio de suas virtuosidades em prol de um senso coeso de direção e propósito.
Próximo dos 10 minutos, há uma espécie de final falso através de um acorde de piano, mas logo em seguida a peça retorna por meio de uma seção onde os elementos musicais assumem uma qualidade mais transcendental. Os arranjos se tornam mais etéreos e expansivos, enquanto cada nota parece carregar um significado, evocando uma sensação de serenidade e contemplação. É como se a música se tornasse uma porta para um reino de sonhos e imaginação, onde as preocupações do mundo material se dissipam e apenas a beleza pura e intocada permanece. Um final surpreendente, poético e envolvente para o disco.
Mirror Universe não é exatamente um disco de rock progressivo arrojado ou cheio de complexidade, porém, isso seria um problema se essa fosse a proposta da banda ou se ela prometesse isso ao ouvinte em algum momento. Ainda que secreto, esse rio é claramente amistoso e apesar de algumas trombas d’águas sonoras, sua essência está em uma corrente de leveza e elegância. Torço apenas que não demorem mais 10 anos para lançarem seu próximo disco.
Mirror Universe
A Secret River
Ano: 2024
Gênero: Rock, Rock Progressivo
Ouça: The Bridge, The Pain You Didn't See, Billions of Souls
Humor: Etéreo, Edificante, Doce
Pra quem curte: Moon Safari, Anathema, Blackfield
NOTA DO CRÍTICO: 8,0
Ouça "Mirror Universe"
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